domingo, 18 de maio de 2008

68 para ser sentido

Por mais que eu tivesse tentado, nunca consegui explicar com palavras determinados sentimentos. Um frio te toma as pernas, ganha o alto da barriga e enquanto a boca seca, não mais saliva, os olhos se umedecem com lágrimas e os pêlos dos braços e da nuca suspendem como se quisessem saltar do corpo.
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Era assim quando criança: bastava ouvir uma música, assistir um filme ou ler algo relacionado às lutas populares ou revoluções, que todos aqueles sentimentos me vinham com uma força cada vez mais crescente. Foi então quando comecei a me questionar sobre a origem da força e da vontade que algumas pessoas têm em defender determinadas causas.
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Entre todas as possíveis respostas que meus pensamentos trouxeram sobre este questionamento, decidi ficar com aquela que, pelo menos aparentemente, pode ser vista por alguns como a mais simples ou mesmo a mais infantil de todas elas: a da pequena semente.
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Acredito que cada pessoa tenha dentro de si um montão de sementinhas. Estas, por sua vez, precisam tomar sol, serem regadas e bem cuidadas para que cresçam fortes. E um-montão-de-sementinhas são, pelo menos em minha cabeça, uma porção de sentimentos. Por que é então que com o sentimento revolucionário as coisas seriam diferentes? Não tem mesmo por que.
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Manifestações, atos de coragem e de luta por uma coletividade seriam então o sol, a água e os cuidados dessa semente que alguns trazem desde cedo dentro de si, como aqueles jovens estudantes que, há 40 anos, sem distinção de etnias, culturas, idade ou classe, tomaram as ruas do mundo para lutar por direitos, levando o país a uma greve geral.
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O maio, que por muitos é somente lembrado como o mês das queridas mães ou das bonitas noivas, foi também em 1968, um mês marcado por lutas em prol de transformações sociais, culturais e políticas. Foi o mês em que em uma única manhã, mais de um milhão de pessoas foram às ruas de Paris em solidariedade a um movimento estudantil combatente e reprimido por forças policiais francesas.
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Quarenta anos depois, a mesma reforma do ensino superior que serviu para mobilizar os estudantes do maio francês, foi o que pareceu despertar o movimento estudantil brasileiro da inércia vivida nos últimos anos. A diferença? Hoje, somos poucos, fragmentados e muitos até mesmo descrentes de que uma revolução seja realmente possível. Eu sonho e acredito em uma revolução. Precisava falar sobre isso hoje. Gostaria que o maio de 68 pudesse não somente ser lembrado, mas sim, de alguma forma sentido.
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Coincidência ou não, no início do ano em que a mais bonita das revoluções completa suas bodas de rubi, foi quando a sementinha que carrego, desde a infância, dentro do meu coração vermelho, pôde receber a sua maior dose de sol, água e cuidados. Mas, essa parte deixo para contar em outra oportunidade. Por enquanto, termino com a sensação de que realmente não sei falar de sentimentos e com uma frase que penso que expressa muito o que sinto.

"Eu tenho a paixão das causas difíceis, quase perdidas, quase desesperadas." Daniel Bensaïd

12 comentários:

Cris Medeiros disse...

Lindo o seu post e a idéia que ele passa!

Luto pelo acredito, sempre foi assim e até por isso consegui coisas que nem pensei conquistar.

Quanto a esse período de revoluções, às vezes me pergunto porque hoje em dia as pessoas não têm essa garra de se unirem em prol de uma causa como era naquela época.

Sei que hoje em dia me comparo a uma semeadora, que anda com seu saquinho colocando uma semente aqui e outra ali, com certeza isso fará alguma diferença!

Beijos

dane_ly disse...

Milinha, olha a coincidência:
acabei de ler, antes de vir a seu blog, o blog do Zeca Camargo, que falava justamente dessa década... na verdade ele falava de um livro que acabou de ler. e eu indico também que você leia. melhor, que a gente leia, né!? pq eu tbm ainda não li.
"'1968 – o que fizemos de nós', do genial Zuenir Ventura"
ah! se você tbm quizer passar no blog dele pra ver o comentário sobre o livro, vale a pena tbm! rs
Xêru!!

Anônimo disse...

Camila, 40 anos de 68 merecem esse teu texto maravilhoso, cheio de sentimento revolucionário,e que serve de exemplo para tua geração.
Deixo para ti o pensamento do escritor surrealista francês André Breton, pichado nos muros de maio 68 pelo mundo afora, "Sejamos realistas exijamos o impossível"
beijo
Hasta la victoria final !

Rafaela disse...

sua sementinha expressou mto bem seus sentimentos, dona camila.
;*

gato de Schrödinger disse...

Obrigado pelos recentes comentários, srta. Chaves. Este Gato sabe de suas limitações (sabe mesmo?), mas fica contente que de alguma forma possa contribuir e entreter pessoas inteligentes e bacanas como a srta.

Só pra acertar qualquer dúvida que tenha ficado quanto ao texto que trata sobre o racismo, não sou contra as cotas. Elas são bem-vindas, desde que sejam utilizadas apenas enquanto reestrutura-se o ensino base, de modo que aqueles que tiveram a educação prejudicada pelo descaso das autoridades não saiam tão prejudicados assim.De maneira isolada, ela seria tão somente uma forma de tapar o sol com a peneira. Enfim, esta é minha discutível opinião.

Quanto ao maio de 68, quanta coincidência! Quer dizer, nem tanta assim, visto que ele completa 40 anos este ano, mas é que eu também tinha planejado escrever algo sobre ele - mas agora não sei mais. Sua maneira subjetiva e peculiar de tocar neste assunto aliada a sua prosa leve e atrativa talvez o tenham feito bem melhor do que muitos que vi tratar sobre o mesmo tema. Muito bom mesmo.

Tenho cá minhas birras contra os europeus, mas não posso deixar de sentir pelos franceses uma grande admiração. Estão sempre indignados com as coisas e se rebelando, mudando o mundo com suas reivindicações. O maio de 68 foi sem dúvida um divisor de águas da história contemporânea, influenciando nossas vidas até hoje. Sei lá, podia dizer tanta coisa.... Mas acho que cabe dizer apenas que nossa admiração e paixão por esse tipo de luta é um ponto muito em comum que temos, muito mesmo.

Faz um certo tempo já que a minha sementinha particular do sentimento revolucionário vem germinando e criando raízes profundas não só no meu coração, mas também na minha alma. Mas vendo como o ser humano sempre torna mesmo as maiores lutas num novo tipo de manipulação, tal como foi feito com a Revolução Francesa ou com a Revolução Russa, acredito que tentar transformar a sociedade sem mudar o coração dos homens sempre será algo incompleto, como uma gripe mal curada - que, continuando a analogia, pode mesmo dar origem a uma tuberculose. Por isso, minha Grande Causa de hoje é talvez um pouco egoísta a princípio, mas segue aquela historinha que segue uma seqüência desde o mundo até seu quarto e diz que é por lá que devemos começar a mudar o mundo; no meu caso, tento mudar a mim mesmo, minhas próprias falhas e defeitos de caráter, limitações e inclinações levianas. com isso, talvez, servir de exemplo pra outras pessoas que é possível mudar o mundo mudando a si mesmo e mostrando como é possível viver a vida de uma maneira bem mais altruísta e responsável. Esse é o meu maio de 2008.

Mas, enfim, isso ainda tá muito longe de se concretizar e eu já escrevi bem além da conta, fico por aqui. Só queria dizer também que achei muito boa a descrição no primeiro parágrafo sobre aquele sentimento repentino que surge em determinados momentos e nos emocionam profundamente.

Beijo, moça. Até a próxima.

Assim que sou disse...

Ei, Camila. Sou bem mais velha que você e, embora não tenha vivido os anos revolucionários, muitas pessoas de minha família viveram bem de perto. Assim, todo esse sentimento permeou minha formação e criação. No final dos anos 70, quando entrei na universidade, tive a minha chance de viver a retomada do movimento estudantil e a grande movimentação por eleições diretas. Guardo todos aqueles momentos e a "nossa" luta como um bônus na minha vida.
É bom saber que o sonho ainda não acabou, não é? Porque enquanto alguém pensar assim, estaremos com a chama acesa.
Como já dizia Mao Tsé Tung, "a paciência é uma virtude revolucionária"

bjs

Annelize Tozetto disse...

Camilinha neném.
Antes de mais nada, aquele questionamento de sempre: como é que você, da voz pequena, miúda, da fala fina, que parte o coração, consegue fazer com que o meu coração sinta a magia destas palavras? Eu não canso de repetir: tu escreve muito. E muito bem por sinal!

Bem, sobre essas sementes, esses sentimentos... eles precisam ser cultivados desde quando a gente é pequenininho sabe? Desde quando a gente não tem lá muito com o que se preocupar - a não ser se a laranja tá no ponto pra ser tirada da laranjeira. (ou talvez, nem isso).
É preciso mostrar que a gente pode sim fazer as diferenças. As ações muitas vezes não precisam nem serem grades - como aquela das ruas parisienses de maio de 68. Talvez se você for conversar com alguém ali de algum movimento social ou de pessoas que não morem em situações adequadas hjá faça muita diferença.
É o tal movimento de base que chamamos. E ele só se completa quando vemos aqueles olhinhos cheios de esperança nos fitarem e vendo que a gente pode ajudar na transformação.
Sim, um outro mundo é possível!

Beijos

Davi Gentilli disse...

Mas que difícil o mundo que vivemos 40 anos depois. Quanta desilusão vemos por aí. E o pior é q parece que é contagiosa...

Ontem conheci um cara, deve ter uns 20 e poucos anos - se é que já chegou aos 20 - que discorda o Gonzaguinha e não acredita na rapaziada. Os amigos mais próximos dele são idosos, ou pelo menos tão pra lá dos 40.

Davi Gentilli disse...

vou mandar outro comentário só pra fazer volume, já que esse post não tá com tantos comentários.

Mas de fato, não vou comentar nada não.
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Gabi disse...

estava com saudades de ler seus tetos... =]

Anônimo disse...

A busca pelo um novo ideal, por mudanças, mobilizou centenas de pessoas há 40 anos atrás, ideais que muitos dizem que estão perdidos. Só que, olhando o teu texto vejo que não, que a sementinha de sentimentos, ainda brota em algumas corações..
Parabéns pelo lindo texto!!

Beijos!

Verônica Elias Rumorosa disse...

Legal seu post! Parabéns Camila, gsotei do blog, sabe, ultimamente tenho visto falar muito dessa revolução, principalmente depois que li um livro a respeito, o "Camaradas" do William Waack. Bem legal,por sinal. É muito bom saber que existem pessoas que ainda tem esse sentimento de lutar pelso outros, pela melhora em geral, isso semrpe é uma esperança! É bom lembrar esses episódios, esquecidos por muitos jovens, que foram marcos para nossa história.

Abraço.
Apareça:
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