No início de minha infância, quando comecei a compreender as coisas que se passavam ao meu redor, descobri que queria ser pediatra. Talvez porque eu tivesse me encantado com aquele doutor tão gentil e velhinho, cujo consultório tinha em sua parede um quadro com um palhaço e seus balões coloridos em frente a um circo. Mas isso passaria logo, especialmente quando eu descobrisse que o que eu realmente queria ser quando crescesse era motorista de ônibus.
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O fascínio das coisas habita exatamente na simplicidade e, para mim, o ato de dirigir era simplesmente fascinante. Poderia passar horas e horas a observar alguém dirigindo. Mas nem tudo era tão simples assim, afinal, como fazer para o carro dar a ré? Confesso que muitas vezes sonhei estar dirigindo e ter encontrado o tal do botão que além de secreto era vermelho. O botão que fazia o carro dar a ré. Acordava, corria para a garagem da casa de vovó, entrava no carro, e... Cadê o botão? Aquele que eu vi no sonho? Não existia. Alguém deve ter tirado ele de lá enquanto eu dormia.
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Eu queria dirigir, mas não sabia dar a ré. A solução para o meu problema encontrei decidindo, de uma vez por todas, que eu seria motorista de ônibus quando crescesse. Afinal, os ônibus não precisam dar a ré! Pelo menos na minha cabeça infantil eles não precisavam. Anos depois, quando já não mais pensava em ganhar a vida dirigindo ônibus e já sabia como se fazia para dar a ré em um carro, descobriria que os ônibus às vezes também precisam dar uma andada para trás.
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Resgatando esta lembrança e algumas outras recortadas e coladas em algumas conversas, descobri o quanto os ônibus estiveram presentes em minha vida até aqui. Ou alguém esqueceu, por exemplo, que na pré-adolescência eu seria a menina que tinha vergonha de puxar a cordinha para pedir parada? Só para se ter uma idéia de até onde vai essa história toda entre os ônibus, a timidez e eu, conto até que já caí dentro de um deles, e pasmem: caí porque achava que segurar nos ferros chamaria atenção dos passageiros enquanto me dirigia até a porta de saída. E acreditem, minha queda não foi nada discreta.
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Já peguei ônibus errado, também. Vários deles. Pegar ônibus errado era quase que uma rotina. Mas a mais traumatizante de todas as vezes foi aquela em que eu fui parar sozinha no ponto final de um bairro estranho e desconhecido. Todas as pessoas desceram, a cobradora desceu e o motorista desceu, também. Eu, como sempre muito discreta, resolvi esperar enquanto eles retornavam. Escurecia e, como se não bastasse, o motorista veio caminhando para o ônibus, mas não foi para sair e sim para apagar a luz. Ninguém me viu lá dentro. Para não me estender, não contarei mais detalhes desse momento angustiante por aqui, mas acreditem, o desfecho também não fora nada discreto.
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Isso me faz concordar com um amigo que diz que o que mais chama a atenção nos tímidos é seu excesso de descrição. Fiquei me imaginando sentada na terceira cadeira do corredor, na fila esquerda do ônibus. De repente, entra uma senhora. Então, diante daquela situação, eu levanto e começo a discursar em voz alta:
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/Atenção senhores passageiros! Neste exato momento eu, cidadã consciente dos meus direitos e deveres, abro mão do meu confortável lugar neste coletivo para que esta senhora, na verdade esta anciã, sofrida por ter vivido tantos anos de vida, possa se sentar e seguir sua viagem de forma tranqüila e prazerosa. Eu poderia estar matando, poderia estar roubando ou poderia estar olhando para a janela e fingindo que não a vejo, mas não! Estou aqui cedendo meu lugar a ela. /
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As pessoas do ônibus batem palma, jogam confetes, tiram fotos e eu fico sendo conhecida como o exemplo de jovem educada e cidadã. Tsc. Que cidadã que nada. Essa tal de modinha de cidadania. Até parece. Paremos de imaginar. Eu levanto, não pergunto se a senhora deseja sentar, vai que ela seja tímida, também e fique com vergonha de falar, nunca se sabe. Sigo para a porta traseira do ônibus, como se fosse descer na próxima parada. É melhor assim. Mesmo que ainda faltem centenas de outras paradas e eu ainda precise ficar algumas horas dentro daquele que poderia ter sido meu local de trabalho.
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O fascínio das coisas habita exatamente na simplicidade e, para mim, o ato de dirigir era simplesmente fascinante. Poderia passar horas e horas a observar alguém dirigindo. Mas nem tudo era tão simples assim, afinal, como fazer para o carro dar a ré? Confesso que muitas vezes sonhei estar dirigindo e ter encontrado o tal do botão que além de secreto era vermelho. O botão que fazia o carro dar a ré. Acordava, corria para a garagem da casa de vovó, entrava no carro, e... Cadê o botão? Aquele que eu vi no sonho? Não existia. Alguém deve ter tirado ele de lá enquanto eu dormia.
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Eu queria dirigir, mas não sabia dar a ré. A solução para o meu problema encontrei decidindo, de uma vez por todas, que eu seria motorista de ônibus quando crescesse. Afinal, os ônibus não precisam dar a ré! Pelo menos na minha cabeça infantil eles não precisavam. Anos depois, quando já não mais pensava em ganhar a vida dirigindo ônibus e já sabia como se fazia para dar a ré em um carro, descobriria que os ônibus às vezes também precisam dar uma andada para trás.
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Resgatando esta lembrança e algumas outras recortadas e coladas em algumas conversas, descobri o quanto os ônibus estiveram presentes em minha vida até aqui. Ou alguém esqueceu, por exemplo, que na pré-adolescência eu seria a menina que tinha vergonha de puxar a cordinha para pedir parada? Só para se ter uma idéia de até onde vai essa história toda entre os ônibus, a timidez e eu, conto até que já caí dentro de um deles, e pasmem: caí porque achava que segurar nos ferros chamaria atenção dos passageiros enquanto me dirigia até a porta de saída. E acreditem, minha queda não foi nada discreta.
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Já peguei ônibus errado, também. Vários deles. Pegar ônibus errado era quase que uma rotina. Mas a mais traumatizante de todas as vezes foi aquela em que eu fui parar sozinha no ponto final de um bairro estranho e desconhecido. Todas as pessoas desceram, a cobradora desceu e o motorista desceu, também. Eu, como sempre muito discreta, resolvi esperar enquanto eles retornavam. Escurecia e, como se não bastasse, o motorista veio caminhando para o ônibus, mas não foi para sair e sim para apagar a luz. Ninguém me viu lá dentro. Para não me estender, não contarei mais detalhes desse momento angustiante por aqui, mas acreditem, o desfecho também não fora nada discreto.
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Isso me faz concordar com um amigo que diz que o que mais chama a atenção nos tímidos é seu excesso de descrição. Fiquei me imaginando sentada na terceira cadeira do corredor, na fila esquerda do ônibus. De repente, entra uma senhora. Então, diante daquela situação, eu levanto e começo a discursar em voz alta:
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/Atenção senhores passageiros! Neste exato momento eu, cidadã consciente dos meus direitos e deveres, abro mão do meu confortável lugar neste coletivo para que esta senhora, na verdade esta anciã, sofrida por ter vivido tantos anos de vida, possa se sentar e seguir sua viagem de forma tranqüila e prazerosa. Eu poderia estar matando, poderia estar roubando ou poderia estar olhando para a janela e fingindo que não a vejo, mas não! Estou aqui cedendo meu lugar a ela. /
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As pessoas do ônibus batem palma, jogam confetes, tiram fotos e eu fico sendo conhecida como o exemplo de jovem educada e cidadã. Tsc. Que cidadã que nada. Essa tal de modinha de cidadania. Até parece. Paremos de imaginar. Eu levanto, não pergunto se a senhora deseja sentar, vai que ela seja tímida, também e fique com vergonha de falar, nunca se sabe. Sigo para a porta traseira do ônibus, como se fosse descer na próxima parada. É melhor assim. Mesmo que ainda faltem centenas de outras paradas e eu ainda precise ficar algumas horas dentro daquele que poderia ter sido meu local de trabalho.
19 comentários:
UHAhuaUHAUHA.
É uma artista essa Camilinha. >D
Me orgulho de ter te conhecido, viu?
Só pra tu saber. ;*
pensei que você ia falar de passe-livre... tá pelegando, é?
por falar em ônibus, amanhã começa a greve dos rodoviários aqui em Vitória, vou ter que pedir carona na rua pra ir pro estágio... =/
foi vc que fez esse desenho?
a postagem veio a calhar. pelo o que sei e o jornais confirmam e em meio aos diversos telefonemas que recebi essa semana, teve greve de ônibus em Fortaleza.
Assim assim... Naty né só artista não. Camilinha prevê as coisas sabe!
Eu tenho medo dessas coisa! afff
beijos Camilinha. Paty
hahaha poxa... nem tô pelegando... é que esse fim de semana quase o blog fica sem texto. escrevi muito na pressa.
tinha pensado em fazer algum comentário sobre o sistema de transporte público, mas acabei me perdendo em meio às lembranças e, como já é de costume, me alongando. daí já foi. rs.
mas enfim, aceito contribuições por comentários. ah, e quanto ao desenho, ele é meu, sim. hihihi. (=
Ah, histórias de ônibus... é engraçado pensar como ele faz parte da vida de um porção de gente diferente. Tantas pessoas por aí que eu nem imagino se poderei conhecer ou não e elas aí, com suas absurdas relações com os coletivos.
Também eu tinha esse medo de puxar a cordinha. Sei lá, penso que seja algo natural, até uma certa idade. Lembro que já até perdi minha parada por vergonha de puxar a cordinha e tive que descer mais adiante. Sei lá qual era o medo; parece que todo o mundo girava ao meu redor naqueles poucos segundos enquanto o braço se ergue e as mãos seguram e puxam a cordinha. Era um martírio.
Pegar o ônibus errado também é um clássico, acho que todo mundo também já passou por essa. Já cheguei até a ir aos pontos finais também, mas nunca numa situação tão amedrontadora quanto a que você passou. Imagina, apagarem a luz! Caramba!
Por essas e outras é que sempre passo por este blog aqui.
Beijo, moça. Até a próxima.
Seus posts são muito bons!
Eu quando pequena quis ser cientista, astrônoma, e geóloga, depois acabei querendo ser médica que foi a vontade que ficou... Só a vontade, porque trabalho numa área nada a ver... rs
Suas histórias de ônibus são ótimas! A de ficar sentada esperando o motorista voltar foi bizarra! ahahah
Beijos
ei, eu qro saber o final da história... da parada final.
como foi que vc voltou pra ksa?????
obs.: eu era igualzinha! eu tbm já fui até a parada final pro vergonha de puxar a cordinha...rsrsrsr
eita! kk
Xêruu!
Esse medo de puxar cordinhas parece bem recorrente.
hummm... acho que tem alguma relação com as axilas.
Camilinha,eu estava sumida do seu blog,tinha me esquecido o quanto gosto dos seus textos.Pra não ficar grande demais meu comentário,adorei qdo vc disse da sua queda no ônibus(eu com a minha imaginação fértil fiquei imaginando vc,a sua queda e os ferros do ônibus)e essa frase do seu amigo foi campeã:
"o que mais chama a atenção dos tímidos é seu excesso de descrição"
beijo Camilinha.Saudades demais de vc!
adorei o desenho, tu que fizeste?!
Nossa, parece que a greve é nacional. Amanhã os motoristas e cobradores de Teresina também vão grevar.
Tb já tive problema com paradas finais numa vez que peguei dois ônibus errados no mesmo dia, um atrás do outro.
O pior é que os dois paravam na mesma parada final. Quando peguei o segundo errado, avistei o mesmo primeiro que também tinha pegado errado.
Foi constrangedor, fiquei abaixado pro outro motorista não me ver.
Histórias de ônibus sempre são interessantes, aliadas as lembranças, formam um belo par. Quando eu era criança tinha uma vontade enorme de ser caminhoneiro, tudo isso pelo meu grande ídolo, meu pai. Até pensei em ser médica, mas vi que não servia para mim. Lembranças, que bom tê-las, e ter a oportunidades de repassá-las adiante.
Ai, agora, não saber dar a ré (tudo bem, eu também não sei), e ser motorista de ônibus só porque ele anda da frente (imaginação de criança é uma máximo), adoreiiii!!
Lindo tudo por aqui!!
Camilinha...
Posso dividir um momento com você? Já caí no ônibus e também já peguei o ônibus errado... oxi. É tão ruim. Mas eu sempre dou risada dessas situações. VAi se fazer o quê?
Na sua cidade, os ônibus são biarticulados?!
Raramente ando de ônibus, confesso. Mas sempre que tenho de fazê-lo me sinto como se não fizesse parte daquilo. Como se ali estivesse apenas como observadora anônima das pessoas e de suas reações. E aí é até fácil perceber os tímidos, os arrogantes, os mais humildes, até os - à primeira vista - patológicos. Acho que, enquanto li seu texto, me senti assim: de longe e observando sua timidez.
Muito bom. bjs. Veronica
HAHAHAHA
que coincidência absurda. hoje eu vim ver seu blog (que não via há tempos), depois de ter chegado atrasado ao trabalho, exatamente porque tive um problema com o ônibus !
hahahahahaha PEGUEI ERRADO !!! fui parar muito longe. uma confusão. e olha que não fazia isso há tempos.
uma coincidência engraçada.
beijos
continue escrevendo, que seu texto é lindo.
hauahauahauahaua
Poxa, tu queria ser motorista de ônibus? Eu queria ser astronauta *.*
Gosto muito dessas historinhas fofinhas de uma Camilinha antes de se-tornar-super-popular-na-universidade!
Aproveito para dizer que os ônibus já me inspiraram várias vezes e para contar que quando era mais jovem eu tinha vergonha de pedir pra segurar as coisas dos outros passageiros =X
repetindo o que disse agorinha, ali no teu scrapbook:
isso tudo é só pra confirmar que teu destino é próximo aos tantos semáforos da vida...
eu não sou tímida, mas espontaneidade também tem limite quando cê cai dentro do onibus no colo de uma moça depois de um solavanco medonho, e daí você diz, de tão embaraçado e desconcertado: "com licença", na intenção de dizer "desculpa". tem vexame pior?
ai camilinha!
adoro ador adoro.
bom d mais essas lembranças, o tempo que coisas eram mais facéis, era imaginar, sonhar colorir.
a sua licença para narrar como seria uma boa cidadã, excelente!!
então,e o q acontece com essa menininha que tomou onibus errado e fiquei quietinha como passarinho assustado??
grande beijo.
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