Enquanto tremia de frio e fazia contorcionismos para segurar com a mão molhada um pouquinho de cigarro, ela me falava sobre as pequenezas do mundo. Desta vez, descrevia com bastante encantamento a fotografia de uma amiga que flagrava uma formiga que, em meio a uma movimentada avenida da cinza São Paulo, não carregava em suas costas uma folha ou um pedaço de doce que algum distraído deixara cair pelo chão, mas sim uma guimba.
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Ao mesmo tempo, minha hiperatividade de pensamentos me permitia ver a lua bonita e nova, ouvir a música que tocava no aparelho de som pequeno, escutar a conversa do grupo que estava na outra ponta da piscina, sentir a sensação da velhice ao tocar meus bastante enrugados dedos das mãos e dos pés e, por fim confessar o quão perfeita era aquela foto e o quanto eu queria que sua autoria fosse minha. E assim, era mais uma pequeneza que ganhara proporções imensas.
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Dos detalhes, das manias, das coisas que poderiam passar desapercebidas mas que, por alguém ou algum motivo acabam por subverter esta lógica, lembro-me da apaixonante menina Amélie que, após ver um senhor chorar de alegria ao receber de suas mãos uma caixinha com brinquedos e figurinhas por ele perdida durante a infância, tem sua visão de mundo modificada e todas as suas ações empenhadas na realização de gestos que, mesmo pequenos, fossem capazes de tornar as pessoas mais felizes.
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Le fabuleux destin d'Amélie Poulain (O fabuloso destino de Amélie Poulain), filme francês dirigido por Jean-Pierre Jeunet em 2001, é um daqueles longas que a gente não se importa de assistir mais uma vez mesmo já tendo feito isso tantas outras vezes. É como se não se quisesse que aqueles 122 minutos acabassem. É como sentir saudade e querer tudo de novo mesmo já tendo se passado tanto tempo em frente à TV.
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Fosse para matar um pouquinho dessa interminável saudade ou apimentar ainda mais ela, descobri que baseada no enredo do filme existe a série Pushing Daisies. E aí a confusão foi outra. Dos nove episódios que compõem a primeira temporada da série criada por Bryan Fuller, eu simplesmente me recusava a assistir o último. Não queria imaginar que o gostinho doce e cheio de alegria, como das tortas recheadas com anti-depressivos, tivesse chegado ao fim.
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Em Pushing Daisies, aos 9 anos, 27 semanas, 6 dias e 3 minutos, Ned descobre que tem o poder de fazer algo retornar à vida utilizando-se apenas de um toque seu. A partir de então, as descobertas sobre esse que até então poderia ser considerado um dom, vão se dando de forma trágica. Sua mãe sofre um AVC e morre. O garoto não exita e lhe traz à vida com um toque. É então que se descobre que, se algo é trazido novamente à vida, após um minuto, e nenhum segundo mais que isso, algo equivalente deixa de viver para dar lugar à nova vida. E a vítima era o pai de sua amiguinha Chuck, sua paixão.
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Um pouco mais tarde, na hora de dormir, de um beijo de boa noite, Ned faria a mais dificil de todas as descobertas: o primeiro toque era capaz de fazer voltar à vida, mas o segundo significava o retorno à morte, e desta vez, para sempre. Ned então cresce e transforma-se no “fazedor de tortas”. Ao lado do investigador Emerson Cod, ele se utiliza da habilidade de dar a vida a alguém por um minuto, para desvendar crimes por recompensa.
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E é nesta atividade que ele descobre que sua paixão de infância, Chuck, fora assassinada aos 28 anos, 24 semanas, 3 dias, 11 horas e 51 minutos. Ele a toca uma vez. Passasse um minuto e outra pessoa perde a vida. Ned decidira não tocá-la pela segunda vez. Os dois vivem então, uma relação literalmente intocável. Qualquer contato, mesmo que por discuido, pode ser fatal.
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E mesmo exitando tanto em assistir o último episódio, para minha surpresa a primeira temporada não termina com cara de “fim”. Talvez seja porque a interrupção se deu por conta de uma greve de roteiristas. Tá bom, tá bom. Tudo bem. Reconheço as greves como um importante instrumento de luta e reivindicações. Mas, poxa... Aguardo assim a segunda temporada, já confirmada para setembro.
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Agonia, sutileza, carinho, alegria. Todas essas emoções despertadas por uma tela. Uma narração pefeita. Uma fartura de cores. Um cenário modesto. E o melhor de tudo: uma infinidade de coisas pequenas. Vontades, sensações, pensamentos, sentimentos. Tudo tão singelo. Certo. Evitarei dedicar as imagens tão bonitas ou a fotografia perfeita das obras aqui citadas. Mas, como são minhas as palavras deste texto, essas sim dedico às Amélies, Neds e Chucks, amantes das pequenas coisas, pessoas de quem tenho ouvido falar ou mesmo encontrado pelas ruelas de minha alegre vida.
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Há 2 meses
7 comentários:
Gente, ahazou no texto! Tá muito bom camilinha, muito mesmo! Ah, e aposto, como essa tal menina segurando um cigarro, é ngm menhos que minha amiga Sarah, hein? Acertei? ;)
Gostei. =)
Esse lance de detalhes, realmente é uma coisa muita importante.
Eu sempre achei que fizesse toda a diferença.
Eu tô com um sério problema pra assisir Pushing Daisies. Esse negócio de eles não poderem se tocar.. isso é uma tortura.
Eu sofro por eles.
AAUHahuHAU.
Mas, eu acredito que no final, isso será resolvido.
Tu tem que assisti Valentin, o filho da Amélie Poulain. :D
Olá Camila!
Muito bom o teu texto. Esse e o anterior (ainda não tive tempo de ler os outros).
O sobre o encontro ficou muito legal, em muitas partes eu assino embaixo o que disse.
No "coisas pequenas" muito legal a lembrança do filme da Amélie.
E ah, assiti o Valentin já, muito bom tb.
Espero voltar mais vezes ao teu blog.
=]
camila, tu és doce! :))
adorei teu blog.
obrigada pela visita. encerro o reticências, mas, em segredo mais que secreto, vou te passar meu novo blog: www.azul-em-lilas.blogspot.com. espero que gostes também.
abraços do sul!
aushaushausha!!!
Sou eu no texto, até coloquei no quem sou eu =D
Obrigada ^^
e nem precisa falar q eu sou tua fã, ainda levo outros fãs comigo, como Jessy ^^
BJu =*
Falar de Amelie me emociona muito. E ler esse texto me fez ver o quanto que o ser humano ainda tem algo de bom. Ainda não tinha ouvido falar nessa série. Fiquei curioso para ver. Enquanto não posso, fico com minha Amelie. Vou já assistir a ela pela enésima vez. Hauhauhau.
BETOcas! Belo texto, moça!
Muito bom, muito bom. Você tem um senso apurado de traduzir uma vida cheia de cores e o melhor, saber quais são em cada momento.
Lembro do dia que emprestei Amelie a Lindsay, nunca mais ela foi a mesma.
Parabéns.
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