Diego Pires entrevista Camila Chaves para o Ponto Continuando. Se preferir, acesse o conteúdo diretamente no blog clicando aqui.
Qual a razão do título: Zine Colorido?
Qual a razão do título: Zine Colorido?
Quando entrei na Universidade para cursar Comunicação, em 2005, me deparei com uma série de materiais que circulavam alternativamente por aquele espaço. Alguns, assumidamente mais politizados; outros, falavam sobre temas bastante variados. Assim eu ia descobrindo, pouco a pouco os fanzines. Textos, imagens, colagens. Reflexões, incômodos, vertigens. “Vertigens” era um fanzine produzido por Elen Mateus, na época estudante de Relações Públicas, e um dos que eu mais gostava. Um dia quis presentear Elen com algo que para mim fosse significativo do carinho e da admiração que eu tinha por ela. Escrevi um texto, selecionei imagens, fiz recortes e colei tudo em uma folha de papel.
Teoricamente, para que fosse realmente um fanzine, eu precisaria copiá-lo, distribuí-lo, fazê-lo circular, mas aquelas cores todas juntas me fizeram decidir que aquele material deveria ser mesmo colorido e consequentemente único. Assim nascia o que eu chamei de “zine colorido”. Gostei do nome e mesmo não sendo o blog em “fanzine”, resolvi que ele se chamaria desse modo. Posso dizer então que, embora não seja um fanzine, o “zine colorido” reúne consigo as características de um fanzine: ele é assumidamente politizado, ele fala sobre vários temas e como está em creative commons, pode ser copiado e consequentemente circular livremente.
Quando li alguns do seus posts, indicados por você mesmo pelo chat do facebook, pois era “os que mais gostava”, senti uma dose de ingenuidade, algo brando, leve e até onírico e com um humor particular. Camila, você faz isso (in)conscientemente? Pergunto isso, pois trata de assuntos tão “sérios” (quero dizer se faz in ou conscientemente não sei se usei o parentese corretamente... risos)
Engraçado que hoje poucas pessoas utilizam a palavra “ingenuidade” no sentido como, de início, tu utilizaste. A palavra “ingenuidade” vem na maioria das vezes associada a uma não intencionalidade ou mesmo a uma ação que se dá de modo inconsciente, quase nunca relativo à “leveza” ou aos “sonhos”. Para evitar confusões, então, eu direi que meus textos são leves e expressam sonhos que são materialmente, não só possíveis de acontecer, mas necessários, como a revolução, por exemplo. E faço tudo isso de modo muito consciente.
Posso dizer que foi me expressando assim – falando do cotidiano de forma leve e com essa pitada de humor – que consegui fazer com que muitas pessoas que de certo modo não se sentiam afetados pela política ou mesmo expressavam em relação a isso uma rejeição, passassem a refletir sobre uma série de questões que, como Bretch dizia, assim como “o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio”, também dependem das decisões políticas. Então posso reafirmar isso e dizer que o modo como escrevo é, também, política, ou a forma como encontrei para expressá-la.
No post Microondas casamenteiras você narra o casamento de dois jovens num assentamento no “interior” de Minas Gerais e o DETALHE é que vieram da cidade e decidiram morar no campo. O absurdo e humor da estória é um “bem de consumo durável” (um forno microondas) presenteado por uma “tia pra lá de chic” da cidade e inócuo pra vida do jovem casal no campo. E você chega a uma conclusão que aquilo sim é um “suicídio de classe”. Dois jovens seguir outro “rumo”. Você cometeria esse “suicídio”?
Se pensarmos que o que define a classe social de alguém é o lugar que este alguém ocupa na divisão do trabalho, posso dizer que, não só pela identificação, mas por não ser detentora dos meios de produção, por não dispor de nada mais que minha própria força de trabalho, eu, assim como meus familiares, pertencemos à classe trabalhadora. Deste modo, eu não precisaria cometer um “suicídio de classe”.
A história sobre o jovem casal é real e fala sobre uma vivência que tive no início de 2008. Ela foi importante para minha formação, mas hoje penso de modo diferente sobre algumas questões quando olho para ela. Não podemos deixar de considerar como belo o ato dos dois em se identificar com a classe e querer viver como ela. Porém, hoje eu reflito que o texto passa uma ideia que não mais tenho acordo: que é essa que, de um certo modo, funciona como um “elogio à pobreza”.
Nós lutamos, cada um a nosso modo, não para que todos os homens e mulheres vivam de forma partilhada uma vida inteira de escassez. Nós lutamos para que possamos todos viver e partilharmos, juntos, toda riqueza que é produzida, porque ela, assim como a terra e os modos de produção que movem a economia e a cultura, estão concentrados. Assim posso dizer que está concentrada também toda possibilidade de vida e é contra essa concentração que nós lutamos. É pela vida que lutamos.
Obs: Depos pelo chat do Face conversei com Camilinha e disse a ela quanto a cometer “o suicídio” quis dizer se ela deixaria a “cidade” pra viver no “campo”. Então Ela Reformulou a resposta. Aqui vai:
Sobre se eu deixaria a cidade para viver no campo, te digo com sinceridade que dependeria de muitas questões. Eu viveria no campo desde que eu pudesse compreender que o que eu estivesse fazendo ali não se tratasse de algo isolado, mas estivesse associado a uma estratégia maior. Eu gosto do campo, me identifico com o campesinato e reconheço toda sua potência. Porém, não romantizo o espaço. Há muitos conflitos no campo. Para além das disputas pela terra, há também a terra como um palco de muitas disputas. Em um primeiro momento, se expulsam populações inteiras do campo para a cidade. Agora, a cidade não é mais o lugar permitido a uma multidão de pessoas que não têm alternativas senão a de voltar ao campo. E, entendendo que hoje esse espaço necessita de muito mais condições para que possa permitir uma vida prazerosa, uma vida digna – como muitos acreditam que seja –, é difícil dizer para um trabalhador desempregado e sem teto na cidade que ele deve ser feliz por ter uma casa no campo, quando tudo o que ele queria era poder viver na cidade, era ter seu direito à cidade, assim como tantos outros, garantido.
No post Pecado você expõe a questão da RELIGIÃO com suas proibições e sentimentos de culpa e uma série de “neuras” que causam ou podem causar no individuo e no coletivo. Você opta por não aceitá-la e ter uma visão da realidade cientifica assim independente dela e até rir, olha só que heresia...risos. E faz sua leitura particular de espiritualidade. Queria que falasse mais SOBRE ISSO num país católico e com igrejas protestantes aflorando como capim.
O modo como falarei sobre essa questão de certa forma complementa o que eu falava na questão anterior. Começarei lembrando um episódio que é também explicativo de todo o meu descontentamento com as mídias hegemônicas que, conforme sabemos, servem para formar nas pessoas uma série de ideologias que servirão, no final das contas, para manter as coisas do jeitinho como elas estão. Afinal de contas, as mudanças, as verdadeiras mudanças, essas são muito ameaçadoras.
Aconteceu assim: um dia desses, em um fim de domingo, eu assistia a TV. Na tela passava uma matéria que falava sobre a vida de São Francisco de Assis e os presépios vivos. Foi ele, antes de ser considerado santo, quem criou, há cerca de 800 anos, o primeiro presépio nas montanhas de Greccio, na Itália. Contava a TV que desde ali a montagem dos presépios vivos havia se tornado uma tradição na região.
Foi então que entrevistaram um casal questionando qual era, em tempos de crise profunda, a atualidade da mensagem do Santo de Assis. “Precisamos viver com mais simplicidade, tentando ser feliz com o que se tem”, foi essa a resposta do casal. Ora, para além da renúncia aos bens materiais ou do voto de pobreza, a história de luta de Francisco de Assis tem muito mais a ver com resistência e libertação que com essa ideia absurda de conformismo. Tu percebes como está tudo muito relacionado? Se utilizam de muitas coisas, inclusive da religião, para fazer crer a toda gente que a sociedade deve permanecer do modo como está, quando o que a gente precisa mesmo é de grandes mudanças.
“Hoje somos verdadeiramente felizes”. Termina assim o post O passado que contarei. O ultimo post q li e me fez repensar a segunda pergunta, pois tem raiva, um grito desgraçado de indignação. Na verdade; um passado que ainda é presente... O que faz pra sublimar essa raiva e continuar verdadeiramente feliz?
Bom, esse texto eu escrevi em outubro de 2010, após o resultado das eleições que levaram, ainda no primeiro turno, Roseana Sarney ao governo do estado. Esse resultado para mim foi uma grande pancada! Não porque eu acreditasse que seria por meio das eleições burguesas que alguma transformação de fato aconteceria. Não, mesmo! Mas foi uma grande derrota porque havia sido um processo muito importante de diálogo com a sociedade. Foram muitas candidaturas e algumas delas expressavam, de modo claro, muitas críticas e denúncias ao que a oligarquia Sarney representa para o estado. No dia seguinte ao resultado das eleições, sinceramente falando, a sensação que tive foi a de andar por uma São Luís em luto. Era uma cidade muito triste, sem cor, eu diria até. E era essa tristeza que de certa forma eu sentia.
Essa tristeza crescia ainda mais por uma série de questões que eu cito ao longo do texto, foi então que decidi escrever algo que pudesse expressar minha angústia e, ao mesmo tempo, o meu desejo de como eu desejo e acredito que as coisas podem ser. Quando digo “hoje somos verdadeiramente felizes”, não é do presente que eu digo. O texto se passa no tempo futuro. Ele conta, no tempo futuro, uma série de episódios que vivemos agora e fala quão importantes eles foram (ou serão) para desencadear um processo verdadeiramente transformador, uma revolução. Como falei, não tenho isso somente como um sonho, mas como uma possibilidade real e acredito que é exatamente isso o que me faz acreditar na felicidade. Em outras palavras, acreditar que um dia nós poderemos ser verdadeiramente felizes é o que me põe em movimento e deste modo ser feliz.
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