segunda-feira, 16 de junho de 2008

Na carona do Baleiro

Me inquieta não poder saber de onde é que vem essa mania que as pessoas têm de achar que as coisas simples não são surpreendentes. Certa vez ouvi dizer, e muito concordei, que um bom texto é aquele que consegue fazer relações entre objetos aparentemente distantes de uma forma simples e, ainda assim, surpreendente.
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Acrescentaria ainda que, no caso dos textos, existe uma espécie de recompensa aqueles que acompanham passo a passo as obras de um determinado autor. Esta recompensa, por sua vez, está em conseguir perceber que determinada parte do texto só tem, para ti, aquele sentido por conta da tua dedicação, daquilo que te permitiu montar um repertório.
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Com a música não poderia ser diferente. Letras boas são as que aproximam objetos originalmente distintos e que presenteiam aos mais dedicados e atentos, com letras que se completam a todo instante. Sendo assim, depois da deixa do último texto, não poderia deixar de falar dele, o Zeca Baleiro.
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São brilhantes aquelas sacadas, aqueles sons coloridos, confortantes ou doídos, cheios de sentimentos. Marcantes são também as rimas, ou mesmo a ausência delas e os trocadilhos. Mas aqui falarei delas, as letras que são soltas e se entrelaçam sem parar. Ou nunca perceberam?
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Em Babylon, o baleiro reclama não ter dinheiro para pagar a Yoga, a droga ou mesmo a merenda. Cansado da situação, promete vender sua própria alma ao dizer: “cansei de ser duro, vou botar minh’alma a venda”. E o desfecho dessa história toda de fazer da alma o segredo do próprio negócio está em Baladas do asfalto, quando diz “a algum tempo atrás vendi minh’alma a um velho apache”.
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Ainda curtindo as baladas do asfalto, lembram que já comentei por aqui sobre o fato de ele levar no bolso um trocado para o café? Pois bem, por algum motivo que ainda preciso compreender verdadeiramente qual foi, alguém lhe ofereceu uma xícara e ela foi recusada. E tudo isso aconteceu em Bandeiras, com “não quero beber o seu café pequeno”. Tá, tudo bem, se não quer café, então pode ser alguma outra coisa, certo? Engano, pois a resposta vem logo em seguida: “eu não quero isso, seja lá o que isso for!”.
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E como falar dele e não pensar nas letras que falam de solidão? Muitas, não? So, let's go! Em Por onde andará Stephen Fry, procura-se alguém que saiu de casa e que no lugar antes ocupado deixou um vazio de solidão: “Stephen may be feeling all alone, Stephen never do this again, came back home”. Então, ao que tudo indica, o alguém que saiu de casa, resolveu mandar notícias, ou melhor, um Telegrama, deixando quem estava “só, sozinho... mais solitário que um paulistano” com o coração cheinho de felicidade.
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A angústia toda da solidão pareceu ter realmente chegado a seu fim quando descobriu-se que o gosto da fruta passa quando se vê alguém que se ama passar em Skap por meio de uma declaração explicita em: “você me faz parecer menos só, menos sozinho”. E assim, é tombo que não é medido novamente em Bandeiras ou tombo que nem mesmo chega a acontecer porque se é nordestino bem alimentado, em Tv a cabo.
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Muitas coisas. Poderia falar sobre muitas delas. É que andei pensando sobre o que escrever em meio a estes dias tão aperreados. Então, imaginando formas de pintar com tinta alguma tela cinza, atrelada à deixa que outrora por aqui deixei, decidi falar sobre ele, ou melhor, sobre as letras criadas por este maranhense tão genial. Críticas sociais e poesias musicadas fizeram com que tantas outras pessoas e eu tivéssemos por ele tanta admiração.

domingo, 8 de junho de 2008

Os sinais estão fechados

Nem todas aquelas cores são primárias. São intensas, são riscadas, são efêmeras ou demoradas. Uma te deixa seguir, outra te desperta a atenção e outra, um vermelho vibrante, forte e por pouco não saltitante, te faz parar bem ali, no calor daquele chão. Mas quem sou eu para falar de sinais?
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Talvez eu seja o menino que cheira cola para passar a fome, a vendedora de água com sede ao sol ou o malabarista que joga ao alto suas claves enquanto se equilibra em um monociclo e dos carros tenta roubar alguns segundos da atenção. Talvez eu tenha fome, talvez eu tenha sede, talvez eu brinque de equilibrar coisas no ar. Talvez eu seja todos eles ou quem sabe, nenhum.
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Já usei os sinais para falar de diversidade, de velocidade, de cores, mas o mais interessante é a concepção que cada um tem sobre este símbolo. Para a maioria das pessoas, afirmar que "os sinais estão fechados" significa algo negativo, um impedimento. Isto se evidencia nas letras de Elis Regina em "os sinais estão fechados para nós que somos jovens" ou nas de Adriana Calcanhoto em "cariocas não gostam de sinais fechados”.
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Mas, embora eu tenha algo muito próximo de paixão pelos trabalhos das duas cantoras, sou muito mais adepta da idéia totalmente oposta daquele que é, para mim, o maior e verdadeiro ídolo, o Zeca Baleiro. Quando ouço “os sinais estão fechados” em meio a suas palavras aquareladas, entendo o ir de encontro ao que propõe a palavra “fechado”, bater de frente com a idéia de negativo, de impedimento, de inércia.
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Em Baladas do Asfalto, quando o Baleiro fala “os sinais estão fechados” existe algo que está para além do trocado carregado no bolso para o café, descrito no trecho que vem logo em seguida. As frases estão invertidas e pouca gente entende é que, na verdade, “os sinais estão fechados” pode dar lugar a “me dá um beijo, meu amor”.
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Pode até parecer confuso, mas seguindo esta linha de raciocínio podemos dizer que quando os sinais estão fechados, as pessoas podem se beijar, se elas se gostam e se elas não precisam mais prestar atenção ao seu redor, uma vez que “tudo parou”. Ou, como a idéia é a de subverter esta lógica, estamos falando exatamente o contrário: quando os sinais fecham e os carros param, a vida começa e o mundo segue adiante.
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É fato que tenho vivido nos sinais. Não sei como costuma ser em outras regiões, mas aqui no nordeste, os pedágios para arrecadação de dinheiro para que algumas atividades relacionadas ao movimento estudantil sejam viáveis, é uma prática cada vez mais comum. Desta vez, queremos ir ao Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação que acontecerá em Julho, no Rio de Janeiro. E a saída? Como diz o baleiro, “vou pisando o asfalto entre os automóveis”.
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Apesar do cansaço, do sol e de alguns “não”s em tons bem mau-humorados, o balanço final dos pedágios é sempre animador, uma vez que qualquer quantia é lucro. E daí que é um problema porque vira um vício e não se pode mais ver nenhuma simples fila de carros parados que já se pensa em arrecadação e mais arrecadação.
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Sem contar ainda que, por ali, acontecem coisas no mínimo interessantes, como os gritinhos finos e alucinados daquele pedacinho de gente ao ver que aquela pessoa estranha e com três bolinhas coloridas nas mãos tomava distância. Ou ainda o casal que, a princípio, não queria abaixar o vidro da janela, mas que se inundou em risos ao ver minha tentativa embaraçada de fazer uma mímica através do fumê. Isso me rendeu todas as moedas de cinco e dez centavos existentes no carro e, mais que isso, me fez ganhar o dia.
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Certamente a gente leva aquilo tudo como uma grande brincadeira, mas o fato é que esses dias têm sido interessantes para que eu passasse a admirar as pessoas que tiram daquelas luzes o seu sustento. Não as que pedem e somente pedem, porque desta prática eu discordo e esta é uma outra discussão.
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Sendo assim, ofereço este texto a estas pessoas e aos meus amigos e amigas estudantes, especialmente os daqui de São Luís, os de Teresina e os de Fortaleza que, mesmo sob o sol forte ou com os pés cheios de calos doloridos, conseguem estampar no rosto um sorriso e encarar aquilo que para muitos é uma parada, como o início. "Vamos nessa, gente? O sinal fechou!".
 
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