sábado, 15 de novembro de 2008

Um nariz do tamanho do mundo

Todas as manhãs ela transformava meio fio em trapézio só para ouvir grama e mato agradecerem em palavras de cor verde. Nesse trajeto, tirar do céu lascas de azul com chantilly enquanto sentia o vento leve lhe balançar os cabelos, era como ganhar em uma caixa bonita e enfeitada com laço de fita, um valioso presente.

Presente também era a lembrança de quando havia ganhado seu primeiro nariz de palhaço. Certamente não fora em uma caixa como a descrita. Mas, mesmo assim, para além dos modismos ou dos usos vazios que se fazia e ainda se faz de objetos como esse, ela sabia exatamente o que aquilo representava.

Ali, era capa, espada e armadura. Ali, era força, enfrentamento e coragem. Era a primeira vez que reivindicava algo coletivamente. Havia nela um sentimento de que aquela não seria apenas a primeira ou última vez, mas somente o começo.

Colocar no rosto um nariz daqueles, era como colocar para fora uma parte importante do palhaço que, por trás de tantas trapalhadas e de roupas que são verdadeiros farrapos, se despe de suas próprias máscaras e faz críticas das mazelas sociais.

Em outras situações, sentiu também que a alma de um palhaço se faz de simplicidade, cores e alegrias. E todos aqueles significados foram crescendo tamanha era a importância simbólica que tinha aquele objeto. Logo, passou a morar em sua mochila.

Sua mãe, no entanto, sempre viu naquilo um mero brinquedo. Tanto que um dia viu o objeto vermelhinho dançando em casa e resolveu descartá-lo dando a um menino. A menina de alma, porém não mais de idade, ao saber daquele atentado, foi aos prantos.

A perda não foi suprida, logicamente. Mas, depois de um tempo, outros narizes voltaram a morar em sua mochila, bem como outros risos e outras manifestações ganharam importantes dimensões em sua existência. Algumas destas, claro, não tão importantes, já outras, marcantes o bastante para serem caracterizadas como transformadoras.

Um dia desses, na noite de uma cidade bastante quente, quando homens cuspiam fogo e marcavam de fumaça preta o teto daquele prédio quase branco, no meio de tanta gente ela descobrira que a seu lado havia alguém de igual sensibilidade. Procurava insistente em sua mochila aquela coisa redonda e vermelhinha.

Ela ficou quieta. Observava, pelos cantos dos olhos umedecidos de emoção, cada movimento de busca. Então, o mundo inteiro se fez em cores e por dentro, ela era só riso. Sorriso. Não sabia o que dizer. Nem precisava. Ela só sentia. Sentia, naquela situação tão singela, que sua alma ia sendo pintada de riso e alegria. Exatamente como pinta o palhaço com seu coração e nariz do tamanho do mundo.

Era o começo...

13 comentários:

Seane Melo, Secoelho disse...

Caramba, camilinha!
Como é que a história de um nariz de palhaço pode ser tão bonita e comovente? *.*
Eu também tenho um amigo que anda com um na bolsa. Mas acho que não é pelos mesmo motivos e significados que este ato adquire pra ti...

Unknown disse...

Bom a primeira palavra que me veio à cabeça já foi dita,mas tem nada não repetir,afinal foi de fato a primeira palavra q me veio à cabeça depois de ler o texto... Caramba.
Adoro qndo vc transforma simplicidade em algo tão estupendo.lindo texto. =)

Natália disse...

Já eu, não consegui que nenhuma palavra saisse, só sei que todos os pelinhos do meu braço se arrepiaram.
Peixinho Palhaço, tô muito feliz. Nem acredito que ganhei um texto teu de presente. E logo sobre esses narizes vermelhos que nos faz acreditar que o mundo pode ser bem mais colorido. E foi por causa deles que nossa amizade realmente começou.
Presente lindo! Quero levar na mochila ele tbm.
=O)
Obrigada, obrigada, obrigada...

(L)
(f)-> viu como aprendi?
hihihihi

Cris Medeiros disse...

É como já disse aqui várias vezes, impressionante sua capacidade de escrever coisas lindas vindas de algo tão singelo! Adorei o texto!

Beijocas

Abiodun Akinwole disse...

a arte da vida em movimento^^.


ei

meu outro blog: http://abiod1dark.blogspot.com


já é.

Gerusa disse...

Você é uma das coisas mais fofonildas do mundo todo Camilinha!

Beto Corpin disse...

Sabes que sou personagem dessa história!

Até hoje não sei explicar o que senti quando mamãe jogou fora meu primeiro nariz de palhaço! Mas outros vieram. Que bom.
Texto suave, belo!

Seane Melo, Secoelho disse...

eu consigo olhar ele normal, camilinha!

Tuyná Fontenele disse...

Belo. Simples. Como tu.

Sara Marinho disse...

Assim que eu li a primeira frase:

"Todas as manhãs ela transformava meio fio em trapézio só para ouvir grama e mato agradecerem em palavras de cor verde.",

... Eu soube exatamente a beleza e delicadeza da leitura que encontraria logo depois. Eu não sei porque passei tanto tempo sem ler teus textos. Embora distante em carne, eu me sinto muito próxima de ti em espírito e assim, inspirada. É... Teus textos me inspiram suavidade e até elaboração.
Eu gosto muito de ler tua interpretação carinhosa por objetos e fatos singelos. Me deixam até a vontade com meus devaneios.
Gostei muito Miloquinha, e acredito que está na hora dos teus textos ganharem um espaço merecido. Eles me lembram muito os da Soninha Francine, uma jornalista, política, escritora... que tem essa mesma generozidade com as palavras.
Saudade de ti.
Sara

Alessandra Castro disse...

Vc vê detalhes onde muitos enxergam apenas o comum. Adoro teus textos.

Unknown disse...

Poxa Camila... Esse texto ficou lindo. Mas digamos que isso não é uma coisa que ne deixa surpresa. Pois sendo sua irmã, sempre leio teus textos. E esse me fez embrar de quando tu me deste um nariz de palhaço e eu coloquei um no me nele. E agora, muita gente me conhece na Praia Grande como "a menina do nariz de palhaço". Tadinhos... Mal sabem é que a "idéia" foi tua, eu só criei corajem de colocá-la em pratica.

Rayane disse...

o nariz do tamanho do mundo... nossa, quanta verdade nisso. Lembro-me de quando ganhei o meu nariz. Ele é a alma da pequena palhaça que ainda não tem nome. Lindo essa coisa da menor máscara do mundo. Saudade, Camilinha... =)

 
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