Naquela altura do campeonato, eu já conhecia o gelo e minha
bicicleta branca de selim e guidão vermelhos – agora sem rodinhas – era o meio
mais interessante para produzir olhares sobre o que não era o Rio de Janeiro. Da
São Luís do início dos anos noventa partiam minhas primeiras correspondências
de frases pequenas, grandes saudades e quase solidões.
Quase quinze anos mais tarde, eu conhecia Gabriel García
Márquez por meio da obra que destroçou sua vida: “Cem anos de solidão”. Descobria
assim um autor muito político e, sobretudo angustiado pelo peso de não mais poder,
de maneira espontânea, dizer as coisas do mundo. Porque descobrir que alguém vendeu
cartas suas deve ser mesmo uma dor muito grande. Por isso deixou de
escrevê-las.
Em mim, dada a relação tão estreita com as correspondências e,
de modo mais declarado ainda, o medo que tenho da falta das memórias, a notícia
sobre a venda das cartas de Gabriel só não doeu mais que aquela que dizia que o
autor estava perdendo a memória. Aí chegou o 17 de abril para fazer
doer mais ainda em saber que fomos nós quem perdemos um grande escritor.
Por aqui, a solidão já fez morada. Já não é mais São Luís e
correspondências chegam de muitas partes. Trazem lágrimas, contam sonhos, apontam
planos, revelam saudades. Já não há mais bicicleta branca de selim e guidão
vermelhos para poder bem ver a cidade, só janela de apartamento e muitos cubos
de gelo dentro de um copo com água. E saudade.
Fortaleza, Ceará, 21 de abril de 2014.
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