domingo, 23 de maio de 2010

Insensatez*

Viajou 1070 quilômetros, caminhou pela rua onde fica minha casa, entrou pelo portão, cumprimentou minha família e se instalou bem ali, no centro da sala e em cima da mesa que não gosto. Fora avisado de que eu demoraria, mas não deu importância a mim, assim como também não deu aos olhares curiosos daqueles que passavam ou que ficavam pelo lugar. Pardo, imóvel e em silêncio o fantasma aguardou minha chegada.

À tarde, quando ligaram-me para avisar do ocorrido, experimentei pelo corpo inteiro o sabor estranho de toda aquela confusão. Tudo porque eu pedi aquele encontro desejando, o tempo inteiro, que ele nunca acontecesse. Deste modo esperei com o coração apertado e os olhos apagados, embora brilhantes de lágrimas, a chegada daquela noite e, com ela, a hora da volta para casa e do encontro que enfim se fez.

Vi-me então, frente a frente ao fantasma que eu mesma construí por conta de meus medos. Peguei-o pelas mãos e juntos subimos as escadas, caminhamos, em passos lentos, sofridos e tristes rumo à cegueira branca de meu quarto. Cúmplices, nos olhávamos em busca de cada detalhe, e em mim estavam as marcas de uma velhice que me tomou de súbito nos últimos meses, as marcas do preço que se paga por errar, por falar a verdade, por amar.

Recebi um pacote triste, endereçado com aquelas letras pequenas e descoordenadas, porém delicadas, que por muito tempo me trouxeram alegria em encontrá-las. Dentro dele estavam todas as cartas que escrevi a alguém nos últimos dois anos de nossas vidas. Estavam as memórias de nossos sentimentos mais sinceros em cores, palavras, papéis. Estavam as expressões de um amor que transformou a mim, embora não seja reconhecido.

As memórias me são muito importantes, são o meu grande apego. E é exatamente daí que surge o maior de todos os meus medos, o do esquecimento, o dos outros em relação a mim e, principalmente, o meu próprio. Por isso não queimo cartas, rasgo fotografias ou apago e-mails, por não conseguir parar de pensar, um minuto sequer, que esses registros podem me ajudar a lembrar de minha própria história.

Há alguns dias soube que as lembranças do maior amor que vivi estavam sendo apagadas para sempre. Diante da loucura manifestada por meu coração e minha mente, pedi as cartas, os fragmentos de minhas memórias. Mas a verdade foi que recebê-las trouxe-me tanta tristeza quanto imagino que me traria se soubesse que elas não mais existiam. A chegada das cartas representou o desfazer-se de um passado que preferiam não ter vivido.

Este fantasma saiu de lá para ficar aqui, guardado no relicário que construí, fazendo-me lembrar o preço que hoje pago pela insensatez de quem não queimou seu último navio ao aportar. Isso por puro medo da dor, medo que fez sofrer quem amava, me fazendo por isso sofrer mais do que algum dia pude imaginar que o faria. Entristece-me muito saber que de tudo, foram as más lembranças as que ficaram lá.

Quanto a mim, guardo as boas memórias. Porque tal como um dia disse Drummond, "as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão".

*Para sentir, sugiro complementar a leitura com a composição de Vinícius de Moares e Toquinho clicando aqui.

domingo, 16 de maio de 2010

À Helena de minha História

Fragmentos de minhas memórias.
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Ouso dizer que a Helena da história que hoje contarei tem umas pitadas de singeleza, como aquelas que Manoel Carlos põe quando cria as suas, e outras de força, semelhante a daquela que foi o motivo de uma guerra de proporções homéricas envolvendo gregos e troianos.
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A Helena de minha História talvez não imagine que lembro bem a primeira vez em que a vi. Tinha algo como três ou quatro poucos anos e, depois de todos aqueles dias da viagem que me trouxe do Rio de Janeiro até o Maranhão, não conseguia me concentrar em outra coisa que não fosse a sua mão.
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Isso porque havia nela algo delicioso e igualmente lindo. Estava envolto por dois papéis, um metálico e outro vermelho, e eu o ganhei. E assim ela me conquistava para sempre, isso porque minha regra diz que têm coração bom os adultos que levam um chocolate para presentear uma criança em seu primeiro encontro.
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De lá para cá, aquele vermelho, que para mim é a cor do amor, sempre se fez presente, fossem nas marquinhas de benção que ela deixou ao longo da História em minha mão direita, ou naquele creme que aparentava ser de morango, tinha sabor de graviola, mas que no final das contas era de murici. A alegria de nossa tarde!
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E alegria é uma palavra que define bem esta Helena. Alegria na força, alegria no amor ou mesmo alegria na dor. Todas essas características a ela que é mãe, sempre. Mãe, ainda que seja filha, irmã, tia, esposa ou avó. Família. São sorrisos, paz, abraços e amor, todos de mãe. Por isso, sinto-me novamente filha se é ao seu lado que estou.
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À Helena de minha História, uma das maiores admiradoras daquilo que algum dia pode vir a ser Literatura, dedico em palavras uma parte de minhas memórias como expressão de todo o amor, carinho e admiração que por ela sinto. Hoje, o dia em que ela aniversaria, sinto-me, assim como muitos, contemplada por este presente da vida.
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Tia Helena,
de todo o meu coração, desejo-lhe uma vida longa de alegrias.
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Um abraço imenso de sua sobrinha,
Camila Chaves
 
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