domingo, 30 de novembro de 2008

Se carrapatos fossem flores

Estava sorrindo. Posso ter certeza.
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Seu focinho brilhava, umedecido, assim como seus olhos pretos e pequeninos. O arbusto, que dançava e gracejava harmonioso na calçada da barbearia, parecia muito feliz, também, embora nenhuma flor propriamente dita lhe fizesse companhia.
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O corpinho do cachorro, vestido em pêlo branco e encardido, encostava-se às folhas e nelas roçava enquanto crescia de tanto que roubava, com cheiro, aquela pequena imensidão verde. Era uma alegria imensa. Cão, arbusto, flores, folhas e um rabinho agitado.
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Um dia, estava voltando para casa e tomei o caminho da feira. O sol era tanto que minha sombra se escondia sob meus pés. Foi então que vi um cão florido. As flores não eram coloridas. Mas estavam lá, muito bem plantadas. Pareciam ter sido postas ali como enfeites.
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As flores, além de serem de uma cor somente, não tinham pétalas, também. Eram quase só botões. Muitos botões. Bem verdinhos. Bem gordinhos. E realmente muito bem plantados, volto a dizer. Nunca havia reparado que em frente à barbearia havia um arbusto. Nunca havia reparado, também, que cachorros de rua pudessem ter tantas flores.
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Suspeito que se carrapatos fossem flores, os cães seriam ainda mais graciosos do que por natureza o são, e que poderiam curtir sua coceirinha boa em companhia de algum arbusto que solitário clama em frente a uma barbearia.

sábado, 15 de novembro de 2008

Um nariz do tamanho do mundo

Todas as manhãs ela transformava meio fio em trapézio só para ouvir grama e mato agradecerem em palavras de cor verde. Nesse trajeto, tirar do céu lascas de azul com chantilly enquanto sentia o vento leve lhe balançar os cabelos, era como ganhar em uma caixa bonita e enfeitada com laço de fita, um valioso presente.

Presente também era a lembrança de quando havia ganhado seu primeiro nariz de palhaço. Certamente não fora em uma caixa como a descrita. Mas, mesmo assim, para além dos modismos ou dos usos vazios que se fazia e ainda se faz de objetos como esse, ela sabia exatamente o que aquilo representava.

Ali, era capa, espada e armadura. Ali, era força, enfrentamento e coragem. Era a primeira vez que reivindicava algo coletivamente. Havia nela um sentimento de que aquela não seria apenas a primeira ou última vez, mas somente o começo.

Colocar no rosto um nariz daqueles, era como colocar para fora uma parte importante do palhaço que, por trás de tantas trapalhadas e de roupas que são verdadeiros farrapos, se despe de suas próprias máscaras e faz críticas das mazelas sociais.

Em outras situações, sentiu também que a alma de um palhaço se faz de simplicidade, cores e alegrias. E todos aqueles significados foram crescendo tamanha era a importância simbólica que tinha aquele objeto. Logo, passou a morar em sua mochila.

Sua mãe, no entanto, sempre viu naquilo um mero brinquedo. Tanto que um dia viu o objeto vermelhinho dançando em casa e resolveu descartá-lo dando a um menino. A menina de alma, porém não mais de idade, ao saber daquele atentado, foi aos prantos.

A perda não foi suprida, logicamente. Mas, depois de um tempo, outros narizes voltaram a morar em sua mochila, bem como outros risos e outras manifestações ganharam importantes dimensões em sua existência. Algumas destas, claro, não tão importantes, já outras, marcantes o bastante para serem caracterizadas como transformadoras.

Um dia desses, na noite de uma cidade bastante quente, quando homens cuspiam fogo e marcavam de fumaça preta o teto daquele prédio quase branco, no meio de tanta gente ela descobrira que a seu lado havia alguém de igual sensibilidade. Procurava insistente em sua mochila aquela coisa redonda e vermelhinha.

Ela ficou quieta. Observava, pelos cantos dos olhos umedecidos de emoção, cada movimento de busca. Então, o mundo inteiro se fez em cores e por dentro, ela era só riso. Sorriso. Não sabia o que dizer. Nem precisava. Ela só sentia. Sentia, naquela situação tão singela, que sua alma ia sendo pintada de riso e alegria. Exatamente como pinta o palhaço com seu coração e nariz do tamanho do mundo.

Era o começo...
 
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