sábado, 27 de setembro de 2008

A letra A

Foto-missão
dirigida por Paula Camily
e clicada por Jane Maciel

E naquela foto amarelada, encontrada em um livro já derrotado por um por pouco não sangrento massacre de traças, estavam lá representadas todas elas, letras charmosamente pomposas, artigos muito bem definidos e sempre tão presentes, mesmo para aqueles que fazem da vida um verdadeiro exercício de constante desligamento e pura desatenção.
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A letra A nada mais era que a menina em seu vestido antigo, nada curto, mas não tão comprido... Era o escorregador posto no meio daquele parquinho que só depois de grandes descobrimos o quanto era pequeno... Era a capelinha bem simples e calorenta onde os moradores passavam as tardes de sábado em oração ou a bonita torre Eiffel, construída para honrar o centenário da Revolução Francesa em 1889.
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Caminhando um pouquinho mais no tempo, tínhamos nos bolachões um lado A repleto de belas canções e saudosos ruídos, verdadeiras músicas aos ouvidos. E já que falei em música, como não lembrar das palavras de Nando Reis ao ordenar o abrir a porta e o entrar de alguém que tem em seu nome a letra A?
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Nas leituras que fiz sobre a letra A, descobri que esta, além de ser a primeira na maioria dos alfabetos, caracteriza-se por exprimir inúmeras relações entre palavras e substituir outras preposições. Um verdadeiro ícone da diversidade!
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Importante ressaltar que esse destaque não se dá somente no campo das letras, já que podemos citar como exemplos a Matemática, e sua representação de uma quantidade variável conhecida; a Física, e sua presença enquanto símbolo de aceleração; ou ainda a Astronomia, quando a letra é utilizada para indicar a principal estrela de uma constelação.
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O engraçado é que aqueles que me vêem falando assim, nem imaginam o quanto as aulas de Português eram as indesejadas de minhas horas. Para se ter uma idéia, uma vez fui pega em flagrante pela professora enquanto simulava seu assassinato com uma grafite. Ao perceber que ela me olhava, ainda tentei disfarçar fingindo que aqueles movimentos nada mais eram que a verificação da falta de ponta na tal lapiseira.
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Mas voltando o foco a ela, tenho a impressão de que o que acontece com a letra A transita em dois extremos, um que beira o descaso e outro, por que não dizer, o verdadeiro temor. Sim, de tão temida a letra é seqüestrada. Dá-se a ela um sumiço. E as pessoas? Ah, essas nem notam. Ou alguém saberia me dizer o que foi que fizeram com a letra A que deveria estar junto às letras U, F e M lá na entrada da universidade?
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Fico aqui pensando com os meus botões... Se o mesmo Reuni que fez aumentar 476 vagas no vestibular deste ano em relação ao de 2007 não prevê a contratação de professores ou a ampliação dos quadros técnicos e da estrutura física da universidade, o que dizer sobre a confecção da letra A para estampar a sua entrada? As pessoas diriam que era supérfluo.
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Talvez o magnífico reitor ou a maioria de seus estudantes nem percebam que a letra A é uma questão de identidade. Sou de defender que se Stuart Hall, um verdadeiro entendedor das identidades culturais, tivesse que de forma sábia proferir algo sobre esta fabulosa letra, certamente teriam sido essas as suas palavras. E quanto à vida da letra A? Esta é um combate.

sábado, 13 de setembro de 2008

Ganhei dinheiro na prisão

E não havia mais como pagar as tantas contas que de tanto chegar já sobravam na gaveta da cômoda que ocupava o canto daquele quarto tão pequeno. Em toda a cidade, a crise não se fazia esconder de um par de olhos sequer e a prova disto estava nos tantos barracos feitos de madeira e papelão que serviam de abrigos a famílias inteiras.
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O que talvez ninguém conseguia imaginar era que havia um casal que, mesmo tão preocupado e sofrido por conta da crise, conseguia tirar de bem pouco, momentos de grande felicidade. E sob o céu de estrelas que para muitos servia de teto, todas as noites eles brincavam de ser ricos.
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Em papel, Charles desenhou notas de mentira para que ele e sua esposa pudessem brincar de comprar e vender propriedades e se arriscar no mercado imobiliário norte-americano. Compravam ruas, avenidas, bairros inteiros. Construíam casas e hotéis e viravam os verdadeiros donos da cidade!
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E foi assim, brincando de ser feliz, com notas de mentira e uma toalha de mesa xadrez, que Charles Darrow, um desempregado vendedor de sistemas de aquecimento, falido após a quebra da bolsa de 1929, criou um dos mais populares jogos de tabuleiro, o Banco Imobiliário.
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Um dia desses, um amigo militante reclamava em tom choroso a falta de sorte no jogo. “Descobri que não dou certo para burguês”. Disse-me ele. “Nem eu”. Respondi quase que sem pensar. Ele me contava que havia acabado de falir em uma partida de Banco Imobiliário após ter assistido, literalmente sentado, ao verdadeiro monopólio construído por sua mãe.
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Passada a empolgação e toda a lerdeza de minha conexão discada, começamos a conversar. Por conta de uma série de ideologias, quase tropeço nas teclas para lhe confessar que gostava daquele jogo tão capitalista. Foi então que descobri que a partir de sua angústia, havia eu encontrado explicações revolucionárias para o feito!
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Chegamos à conclusão que independentemente da sorte no amor, para se dar bem no jogo nessas circunstâncias, é preciso fazer como Charles e Ester, só que de forma ideologicamente contrária. Nos colocamos então a imaginar uma realidade diferente daquela que está posta.
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Nessa nova realidade, agora vermelha e bem mais popular, os terrenos comprados servirão para fazer a reforma agrária e construir casas populares, já as empresas e companhias serão todas estatizadas. Ocuparemos fábricas, rádios e canais de televisão. Enfrentaremos a polícia e derrubaremos os ditadores.
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Será um jogo todo jogado de forma coletiva, como as “sociedades” que já ouvi outra amiga (também viciada na prática), comentar, “só que de forma ideologicamente contrária”. Sendo assim, se antes o alvo era monopolizar, de agora em diante, o objetivo é fazer a revolução. Pregaremos o desenvolvimento de uma comunidade pautada no socialismo e a cada casa avançada, a cada conquista, ganha-se militantes.
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Convertemos o jogo para a lógica da luta. Nos momentos de interação dos encontros estudantis ou no intervalo das aulas das escolas, as cartas de Uno dariam lugar ao novo entretenimento. Mas, também, não sejamos tão otimistas, nunca se sabe. Pode haver pessoas jogando o nosso jogo “só que de forma ideologicamente contrária”. E aí, o que faremos?
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Ah, mas eles podem, também. Aprendi, com essa história toda, que todo mundo tem o direito de ser feliz, ou pelo menos brincar de ser. Um dia desses, eu fiquei apenas com uma nota de “1 dinheiro”. Todos os meus amigos de 19 anos, ou menos que isso, sorriam de mim. Mas, não me deixei abater e aprendi que em Banco Imobiliário, quando não se tem dinheiro, a melhor saída é ir para a cadeia.
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E foi assim que dei a volta por cima e fiquei rica. Foi assim que ganhei dinheiro na prisão. Fiquei respeitadíssima na mesa, e não mais por conta dos meus vinte e um anos. Não que eu tenha sido respeitada alguma vez por conta disso, mas esta parte prefiro não comentar. Finalizarei apenas a dizer que foi um verdadeiro sucesso! E então, alguém aceita, gentilmente, o convite para uma partida?
 
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