sábado, 29 de março de 2008

No Maranhão babaçu abunda

E como abunda! Durante o Encontro Regional de Estudantes de Comunicação do Norte e Nordeste 3 – ERECOM – realizado em Teresina, Piauí, quando acordadas naquela manhã ao som deste super hit regional, algumas pessoas pareciam confusas, para não dizer assustadas. A vontade de sorrir, misturava-se, entre outras coisas, a olhinhos remelentos e inquietação sobre a veracidade daquilo que se ouvia: “como assim, o Maranhão baba a minha bunda?”.
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Não gosto de falar sobre bunda. Até mesmo porque se existe alguém com propriedade para falar sobre isso, esse alguém certamente não sou eu. Talvez nunca alguém tenha me ouvido falar esta palavra. Mas me chamou a atenção que, em alguns espaços, não se pode nem mesmo escreve-la. Falar em bunda no word é tabu. A palavra é sublinhada de vermelho e vêm as opções “banda, boda, bomba, bonde, borda”. Como assim, boda e não bunda? E não dá para adicionar ou incluir no dicionário. O word é contra a inclusão da bunda.
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Mas, sejamos mais fortes e superemos este ponto de opressão. Não sou maranhense, mas se tem algo que me fez ter paixão por este estado que me acolheu com tanto carinho, foram suas palmeiras, aquelas onde cantaram, ou ainda cantam, os sabiás de Gonçalves Dias. E são delas, das palmeiras, que vem toda essa história inquietante de babaçu.
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Em qualquer busca rápida pela internet, tu podes encontrar, por exemplo, coisas do tipo: “é verdade que no maranhão babaçu abunda?”. Pois eu diria que o babaçu não só abunda, mas que ele abunda e muito! Tanto que é forma de sustento para cerca de quatrocentas mil famílias, e vale destacar que, dentre elas, 90% são mulheres, tanto que há, por aqui, o Movimento das Quebradeiras de Côco Babaçu que lutam pelo cumprimento da Lei do Babaçu Livre.
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Este movimento surgiu a partir da segunda metade da década de 80 quando as áreas de ocorrência do côco babaçu foram cercadas e apropriadas indevidamente por empresas agropecuárias e grandes fazendeiros com vistas na monocultura. Com a Lei do Babaçu Livre a extração do côco fica permitida mesmo em terras privadas.
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Do babaçu são feitas esteiras, cestos, chapéus, carvão vegetal, produtos cosméticos, óleos, farinha para mingaus, bolos, pães, pudins e biscoitos, e também aquela multimistura distribuída pela Pastoral da Criança para combater a desnutrição. E vale dizer também que sua palmeira não é exclusividade somente do Maranhão. Há babaçu no Tocantins, Pará e Piauí. Opa! E no Ceará, não? Hum... acho que encontrei a explicação para o porquê de eles preferirem fazer culto ao “bolinho de arroz”...
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O Erecom Piauí me deixou no peito um vazio de saudade e ao mesmo tempo um transbordar de esperanças nessa gente nova que vem chegando aí...

sábado, 15 de março de 2008

O contrário de chocolate

Confesso que tenho um sentimento que ainda não sei, de forma precisa, que nome deveria lhe dar. Tudo o que sei é que vivo com a constante impressão de que por pouco, por muito pouco, mesmo, não fui eu a pessoa quem falou pela primeira vez aquela frase tão brilhante.
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Seguindo este pensamento, devo dizer que tenho a leve impressão que, se alguma vez na vida tivesse ido à Pedreiras, interior do Maranhão onde, segundo relatos de estudantes universitários, os ciclistas param no sinal de trânsito ao lado dos carros, certamente poderia ter tido a honra de falar pela primeira vez que “a educação de Pedreiras é igual a da China”.
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Na verdade, para ser a pessoa a falar pela primeira vez alguma frase brilhante não basta apenas ser criativo, é preciso ter oportunidade. Sei que isso parece uma daquelas frases horríveis de livros de auto-ajuda ou de um daqueles palestrantes que falam sobre mercado de trabalho e cursos profissionalizantes e que no final acrescentam algo do tipo, “porque você é um vencedor!”, mas, nesse caso é bem verdade.
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Por exemplo, você pode ser criativo, militar na esquerda, ser maior de idade e ter 1m68 de altura, mas se tiver voz de criança, pode ter certeza que a tal oportunidade é anulada e a tua pequena voz dificilmente será ouvida em uma das badaladas rodas de conversa de estudantes universitários. Por isso nunca consegui explicar o porquê eu sou míope e ando sem óculos ou porque comecei a questionar a Democracia após ler Oscar Wild e que relação isso tem com o Bolsa Família.
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Segundo Wild em A alma do homem sob o socialismo, a democracia, apesar de despertar grandes esperanças, “significa simplesmente o esmagamento do povo, pelo povo e para o povo”. Concordo com ele e acrescentaria ainda que isso se dá por conta de uma educação que cada vez mais conduz para um conformismo quando deveria causar inquietação, permitir questionamentos. E a relação que isso tem com o Bolsa Família? Pergunte ao povo se o programa é bom ou ruim.
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Bom, o Oscar Wild foi para ilustrar. É consenso que determinadas discussões são extremamente inoportunas quando estamos em badaladas-rodas-de-conversa-de-estudantes-universitários criando frases brilhantes enquanto a hora da aula não chega. O “tudo tem sua hora”, eu cresci ouvindo mamãe dizer. Tudo bem, tudo bem, ela falava isso quando eu pedia alguma coisa que ela não tinha dinheiro para comprar, mas acabou virando lição de vida.
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E assim, as pessoas não costumam ouvir de mim frases brilhantes, no máximo elas ouvem pérolas ou misturas brilhantes de ditos populares, como por exemplo, “ela fez tudo de ‘divina’ e espontânea vontade” ou “ele já queria puxar ‘farinha’ para a brasa dele”. Tudo bem, também, que isso não é nada como “a educação de Pedreiras é igual a da China”, mas acredito que foram graças à pérolas como essas e ao fato de eu ser criativa, militar na esquerda, ser maior de idade e ter 1m68 de altura, que meu querido amigo Lutero atribuiu a mim a autoria da mais brilhante de todas as frases: “quando eu era criança eu achava que o contrário de chocolate era morango”.
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O triste é que eu nunca disse isso. Embora tivesse querido, e muito. Ele sorriu, eu sorri, mas não pude suportar. Precisava revelar a ele que a frase não era minha, embora ele tivesse certeza disso. Lutero achava que eu a tivesse dito pela primeira vez. Já eu achava que poderia ter sido Paula. Só sei que não fui eu, nem Paula, nem Lutero. Acho que podemos acreditar que “quando eu era criança eu achava que o contrário de chocolate era morango” foi uma frase criada a partir de nossos imaginários coletivos tão postos em evidência nas inúmeras e badaladas-rodas-de-conversa-de-estudantes-universitários.

domingo, 9 de março de 2008

Meninos que dão em árvore

Por mais que eu sempre tivesse querido, biologicamente falando, nunca tive um irmão. Como eu demorei bastante para falar, o meu forte mesmo era observar e, se fosse algo viável de ser imitado, falando aqui do ponto de vista da discrição, eu o faria. Foi assim que, quando criança, me peguei algumas vezes tentando andar como papai ou pior, me pegaram com a mão na lâmina de barbear e o rosto cheio de creme a um passo de cometer o meu primeiro ato infracional. Uma verdadeira delinqüente!
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E foi assim que eu cresci. Em meio a um monte de meninos correndo nas ruas da periferia do São Francisco. Éramos muitos. Como a rua era fechada, a concentração era grande e o barulho em frente às casas, maior ainda. Na mesma idade que eu havia somente uma menina, isso fazia com que a regra para nós duas fosse bem clara: ou passaríamos o dia inteiro brincando de preparar comidinhas imaginárias, ou nos juntaríamos aqueles mais de dez meninos loucos e teríamos mil e uma opções de brincadeiras diárias! Uhu!
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Fazer uma decisão dessas não era tão simples como pode parecer. A começar pela educação que tínhamos e que, ainda hoje, temos em nossas escolas. Desde crianças não somos estimulados a trabalhar o corpo e a nos preparar fisicamente com um discurso cada vez mais forte de que isto acontece por conta de uma “questão cultural”, afinal, estamos na cidade, não? Os meninos ainda conseguem subverter esta lógica quando, no horário do recreio, correm, sobem nas mesas, se penduram nas escadas e liberam toda sua energia. Para mentes conservadoras, é natural que os meninos se comportem desta forma, mas se há ali uma mudança de gênero e a condição agora é cabida às meninas, pode ter certeza de que a repressão se fará.
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Mas, quem se importa? Minha tia se importava, e muito. “Camila, cadê tua mãe?”, perguntava ela sempre que me via na rua feliz da vida brincando com um monte de meninos. Ah, e vale lembrar que feliz mesmo quando o dedão do pé estava arrebentado porque, naquela época a rua não tinha asfaltamento. Mas, mais legal mesmo foi a cara dela ao ver, em meio às minhas adoráveis pecinhas de lego lego, alguns carrinhos. Ora, eu só tinha uma amiga e nós havíamos decidido por consenso que brincar com os meninos era mil e uma vezes mais divertido, ter barbies naquela situação não era nada inteligente.
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Mas eu não me importava. Tinha mais coisas com o que me preocupar, afinal, precisávamos “deliberar” em alguns calorosos minutos de discussões e brigas, do que iríamos brincar à tarde, na hora do “vale à pena ver de novo”, se seria de “com licença, Beth”, “rouba bandeira”, “polícia e ladrão”, “quem chega primeiro”, “remaninho, remaninho”, “arame e lego”, “passinho ou gol” ou de alguma outra proposta que surgisse no momento para apimentar ainda mais a discussão.

domingo, 2 de março de 2008

Microondas casamenteiras


Durante minha vivência de doze dias no Santo Dias, pré-assentamento do MST localizado na zona rural de Guapé, sul do estado de Minas Gerais, tive a oportunidade de conhecer um casal de jovens que muito me chamou a atenção.
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O Renato concluiu recentemente seu curso de Engenharia Florestal, e a Aline é estudante de Agronomia da Universidade de Lavras. Ambos têm idade em torno de 25 anos e há um ano decidiram, pouco a pouco, abrir mão da confortável vida de jovens de classe média alta e viver como trabalhadores do campo assentados.
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Em seu barraco, de um cômodo só, não há nada além de um armário com sementes crioulas, alguns mantimentos e, bem no cantinho, um colchão de casal, “porque cama ocupa muito espaço”, diziam. Do lado de fora, na cozinha, uma mesa com uma bonita toalha quadriculada, dois banquinhos de madeira e um fogão para cozer à lenha. Já no banheiro, um chuveiro feito de lata e, para os dejetos, bastante serragem, para que posteriormente possam ser utilizados como adubo.
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No dia 9 de fevereiro deste ano, às 15h de um bonito sábado, os dois uniram-se em casamento iluminados por raios de luz que passavam pelos galhos das mangueiras que tinham em seus troncos mensagens relacionadas à terra, à luta, à união e à família, e que nos refrescavam com uma prazerosa sombra naquela tarde tão ensolarada.
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Nada de carne nem álcool. Após a cerimônia as pessoas cantavam, dançavam, sorriam, conversavam e principalmente comiam. Eram pamonhas doces e salgadas, deliciosas broas de amendoim, bolos de mandioca ou milho, pães de queijo, requeijões, bolachas, pãezinhos entre tantos outros quitutes preparados em mutirão pelas donas das casas do assentamento, e tudo, claro, regado a muito suco de manga ou goiaba que poderia ser vermelha ou ainda branca.
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Essa história toda de microondas veio de uma conversa minha com um amigo da Aline alguns dias antes do casamento. Ele nos contava sobre a reação de sua família ao receber o convite para o casamento: “no convite a Aline e o Renato escreveram que não queriam presentes, que a presença de cada pessoa seria o seu maior presente.”
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A loucura começou bem aí. Segundo o amigo, a Aline tinha uma tia pra lá de chic que estava indignada com a possibilidade de não levar um presente para sua sobrinha. Ela estava disposta a subverter aquele pedido, quase uma regra, proposta pelo jovem casal. Ah, mas o que pode haver de mal ou de engraçado nisso? Coitada... Era somente uma tia “pra lá de chic” querendo presentear sua sobrinha, ora ora.
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Até aí, tudo bem. Tudo bem se o presente da tal tia não fosse um bonito e moderno forno microondas! “Eu fiquei me perguntando o que a Aline iria fazer com um forno microondas”, disse o Thiago, gargalhando durante nossa caminhada.
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Eu confesso que também me deparei diante do mesmo questionamento e que foi quase inevitável não sorrir logo em seguida. Não sei se eles ganharam o tal do forno microondas, as únicas coisas que sei são duas: a primeira é que o Renato e a Aline são, para mim, um exemplo bonito, verdadeiro e próximo do que é um suicídio de classe; e a segunda é que ter uma tia “pra lá de chic” quando se é socialista, pode ser bem complicado, mas, com uma pitada de humor, bem divertido.

 
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